5.1.09

Comprar vinho em supermercado não é pecado


Publicado originalmente no guia JB Vinhos do Jornal do Brasil

Pela primeira vez o Concurso de Melhor Sommelier da França, realizado em Perpignan, no Languedoc, teve duas mulheres na semifinal: Pascaline Lepeltier, compradora de vinhos do Rouge Tomate, de Paris, e Julie Dupouy, do The Mill, na Irlanda. Pascaline chegou à grande final onde se sagrou vencedor Manuel Peyrondet, do parisiense Taillevent. Este fato é um retrato final da mudança do perfil do consumidor na França.
Quando a mulher começou a ir às compras e escolher o vinho da casa o consumo mudou. Num passado não muito distante o consumidor francês se considerava, com ou sem razão, um especialista e escolhia seus vinhos baseado no prestígio das diversas Denominações de Origem Controlada (AOC - Appelation d'Origine Contrôlée). Hoje as mulheres e uma nova geração de compradores possuem uma abordagem mais intuitiva no momento da compra. O que exige uma clareza maior das informações sobre o vinho e sua harmonização.
Grandes marcas de vinho acolheram esse novo cliente e criaram variedades mais fáceis de entender e com sabores que pouco variam de safra para safra. Se por um lado é uma padronização de vinhos e gostos, de outro é uma porta de entrada suficientemente ampla para receber os novos consumidores e ampliar o mercado. Este segmento é composto notadamente de varietais e de AOCs básicos, de boa qualidade, bons preços e feitos para o dia a dia.
Mas vinho é paixão. Se as moças conseguiram chegar às finais do Concurso foi por serem, antes de tudo, apaixonadas por vinho. E o francês, conhecido por ser pão duro, é apaixonado por fazer grandes barganhas. Muitas vezes me aconteceu de tomar um belo vinho na casa de amigos e este me contar que pagou uma ninharia num supermercado. O francês faz questão de dizer que pagou pouco e que foi econômico. Talvez a escassez e a penúria dos tempos de guerra tenham ficado no inconsciente coletivo.
Comprar vinho em supermercado não é pecado. Foi-se o tempo em que os supermercados não possuíam uma boa seleção de vinhos, adegas centrais de estocagem, compradores especializados e profissionais preparados para orientar o cliente. No Hexágono, outra maneira de chamar a França, Michel-Edouard Leclerc, diretor geral da E.Leclerc, uma das maiores redes de supermercados, lançou o Foire aux Vins, literalmente feira do vinho, nos anos 80, hoje uma instituição nacional. Todos fazem sua feira, mesmo as melhores delis, empórios e sites especializados. Uma grande seleção de vinhos é colocada em promoção. São lançamentos, vinhos de prestígio, final de estoque e, claro, encalhes. No Brasil o supermercado carioca Zona Sul foi o primeiro a implantar, este ano, o conceito, com imenso sucesso. Lançou o encarte com o título de Festival do Vinho e promoveu dezenas de vinhos de importação exclusiva. O consumidor percebeu que a oferta era verdadeira e foi às compras. Cinquenta mil garrafas vendidas em apenas uma semana. O Festival veio para ficar.
O próximo passo para os melhores supermercados brasileiros é ir aos leilões de "vin primeur" (compra de grandes vinhos antes destes serem engarrafados) de Bordeaux, Borgonha e Limoux. Comprar produtos exclusivos, de alto nível e a melhores preços. Como faz há alguns anos o E.Leclerc, hoje o maior comprador de primeur de Bordeaux. Afinal, o mercado brasileiro está maduro para esta ousadia.