26.9.09

Os vinhos do Languedoc Roussillon


Os vinhos do Sul da França vêm conquistando seu espaço no Brasil. É um caminho longo, mas acredito que em breve o Languedoc Roussillon será líder entre os franceses em volume e com um bom preço médio. Explico. Nos últimos 30 anos a região passou por uma grande transformação qualitativa, porém a história começa bem antes.

Na antiguidade romana os vinhos do Languedoc haviam conquistado o Mediterrâneo e mesmo Roma, fato declamado por Plínio, o velho. Este sucesso vai provocar a ira dos produtores romanos e a publicação de um decreto do imperador Domiciano, ordenando que fossem arrancadas metade das vinhas da região. O decreto nunca foi cumprido e as cepas ficaram. Após as invasões bárbaras e a queda do Império há o declínio da viticultura que vai voltar na idade média pelas mãos de monges e abades. Na abadia beneditina de Saint Hilaire, em Limoux, vai nascer em 1531 o primeiro espumante do mundo. D.Pérignon, beneditino, vai conhecer a Blanquette de Limoux durante uma peregrinação e em seguida desenvolver a champagne. Isto é, mais de 100 anos depois do brut de Limoux conforme reconhece o INAO, o organismo oficial dos AOCs da França. No supermercado Zona Sul você encontrará o Crémant de Limoux, método tradicional e no site Bom Vinho a Blanquette de Limoux métodos Ancestral, aquele da idade média e o tradicional ou champenoise. No século XVIII vamos ter vinhos da região exportados para todo a Europa e mesmo para as Américas.

Vai ser a partir da era industrial que a região vai se enriquecer. O consumo de vinho na França chega a 100 litros por pessoa, mas lembre-se nesta época o vinho fazia em média apenas 9 graus. É neste momento que a região descobre o filão do vinho barato e de fácil consumo. Os vinhedos se mudam para as planícies, mais produtivas que permitem um maior rendimento, uvas como a aramond, extremamente produtivas, são introduzidas. Grandes volumes inundam a França e a Europa. A região se enriquece, palacetes e grandes mansões são construídas, até que em 1950 este consumo começa a mudar e se dirigir a um vinho de melhor qualidade. O declínio leva à crise de um modelo exausto. Os produtores tomam consciência e a vanguarda começa, ainda nos anos 70, a trocar a aramond por uvas nobres como a syrah, merlot, cabernet e chardonnay. Os vinhedos saem da planície e voltam para as encostas. O rendimento despenca de mais de 120hl/ha para conservadores 45hl/ha. As técnicas de condução e vinificação atingem o estado da arte nos anos 90.

O resultado é que em 1998, ano de uma boa safra, os vinhos do Languedoc Roussillon ganham todas as recomendações dos críticos. Um vin de Pays d’Oc, o Cuvée Mythique vai ultrapassar a fatídica barreira dos 90 pontos de Robert Parker, que separa os muito bons dos excelentes, e receberá do crítico americano a nota 92. É a primeira vez que um vin de pays, vinho regional, atingirá esta marca. O vin de pays é em geral o vinho bom do dia a dia e os grandes vinhos são normalmente os AOC, denominação de origem controlada. Na verdade o rigor da legislação AOC, que limita o uso de certas castas em determinada região, obriga o produtor que deseja usar outra uva que a determinada por decreto, para aquela região a ser classificado como vin de pays. É verdade que o vin de pays pode ter um rendimento maior que o AOC, mas isto não é obrigatório.

De 98 aos dias de hoje Robert Parker, Jancin Robinson e as revistas especializadas, Wine Spectator, Decanter e a Revue du Vin de France e mesmo grandes jornais como Le Figaro tem chamado o consumidor a descobrir esta região. Afinal, seus vinhos são bons e de melhor preço por serem menos notórios. A denominação de origem Corbières, a maior do Languedoc, é a 10ª mais conhecida na França hoje, segundo diversas pesquisas, e no Brasil é o AOC com maior presença. Se o Languedoc responde por 1/3 de todo o vinho francês e 20% dos AOCs é normal que queira ter um papel de liderança no Brasil. Seus vinhos por terem economia de escala, lembre-se este é o maior vinhedo contínuo do mundo, estão conseguindo disputar com chilenos e argentinos em todas as faixas de preço. No segmento abaixo de 30 reais vamos ter vinhos bons a partir de R$18 em supermercados de todo o Brasil. Estes podem ser pontuados na faixa de 80 pontos. Num segmento entre 30 e 70 reais vamos encontrar vinhos muito bons. Acima deste patamar os excelentes. Vale dizer que o vinho do dia a dia na França ou no Brasil são o do primeiro segmento, mais em conta. Os outros são para momentos especiais.

Para aumentar as vendas no Brasil Sud de France, a marca guarda-chuva dos vinhos do Languedoc Roussillon, vem realizando há três anos no Brasil ações para aumentar a notoriedade dos seus vinhos. Seja apoiando promoções em supermercados, seja treinando profissionais, sommeliers, seja realizando o Festival Sud de France. Idéia que nasceu no Brasil e que hoje é realidade em Londres, Xangai, Cidade do México e Nova Iorque. A idéia de ter um embaixador, como o chef Roland Villard já foi copiada na Coréia do Sul e no México. A novidade agora é a criação do Club Sud France, a “patota” do Embaixador que vai ajudar a criar uma rede viral, um buchicho de craques que vão fazer a Região ficar mais conhecida. No Brasil o seleto grupo vai contar com os chefes franceses Jean Yves Poirey do Othon, Olivier Cozan do XX e os radicados em SP Pascal Valero do Kaa, Patrick Ferry do P.Verger, os especialistas em vinho Dânio Braga, presidente da ABS Brasil, Euclides Penedo Borges, presidente da ABS-Rio, e do craque de vôlei Nalbert que tem um pé na França. Até o final do ano o Club surgirá na França e deverá ter nomes como Olivier Poussier e Philippe Faure-Brac, melhores sommeliers do mundo.

Num ano em que a França recuou 11% em volume e cresceu 9% em valor os Vin de Pays d’Oc conseguiram crescer nos dois itens. Acho importante ganhar mercado para habituar o paladar brasileiro a um vinho mais elegante, com mais personalidade, rusticidade, autenticidade e menos madeira. Afinal, nos últimos vinte anos o brasileiro bebeu muito mais vinhos do Chile e Argentina do que os do Velho Mundo. O que com certeza modificou o hábito do consumidor brasileiro atual se comparado ao consumidor dos anos 80.

Os vinhos da França habitualmente possuem maior valor unitário do que os vinhos do Novo Mundo e mesmo do que italianos e portugueses. O que normalmente os posiciona no topo da pirâmide de consumo, restringindo o acesso. Os vinhos do Languedoc começam a mudar isto e democratizam o estilo francês de fazer vinho tornando-os acessíveis a um público maior. Via a democracia.