9.12.09

Entrevista com Philippe Faure-Brac e Olivier Poussier


Na foto do topo Philippe Faure-Brac durante degustação de Toques et Clochers e na outra Olivier Poussier descerra a palca da carreira de vinhas que leva seu nome em Limoux, no Château de Flandry.

Durante o XX leilão de vinhos de Toques e Clochers em Limoux, Sul da França, em abril, entrevistei os dois maiores sommeliers franceses: Olivier Poussier, melhor sommelier do mundo em 2000, e Philippe Faure-Brac, conhecido como Monsieur Rio por ter sido campeão no mundial de sommellerie do Rio de Janeiro em 1992. Poussier presta consultoria para grandes marcas como Champagne Jacquesson, grupo Accord, Vin du Monde, que traz vinhos da Miolo, e Lenôtre. Faure-Brac, proprietário do Bistrot do Sommelier em Paris, foi o sommelier da Air France até 2005, é diretor do Instituto Nacional das Denominações de Origem, INAO, tem sete livros publicados, além de ser sócio de um vinhedo no Gard, Sul da França. Por estarmos no evento mais importante do Languedoc Roussillon, o maior vinhedo do mundo, o assunto foi o vinho do Sul da França, que tem aumentado sua presença no Brasil e no mundo.
Rogerio Rebouças - Qual sua opinião sobre a evolução do vinhedo do Languedoc Roussillon?

Olivier Poussier – Ela é no geral positiva. Se olharmos bem, há trinta anos os vinhos daqui eram majoritariamente produzidos por cooperativas que o faziam num estilo clássico sulista, na expressão da fruta, carnudos e ricos. Onde faltava um pouco de delicadeza. Há vinte anos começaram a fazer vinhos mais civilizados com envelhecimento em barricas, vinhos com mais extração, mais ricos e mais densos, mas ainda pouco apetitosos. Podemos perceber que nos últimos 10 anos o Languedoc busca fazer vinhos com aromas e sabores típicos do Languedoc , do Mediterrâneo, buscam extrair texturas que são mais em mais equilibradas, vinhos maduros sem ter alto teor de álcool . E como? Trabalhando sob a massa foliar e sobre a maturidade da uva. As pessoas do Sul da França começam a compreender que fazer um vinho concentrado e elegante não é necessariamente fazer um vinho com 15,5 graus, mas um vinho com bom teor de álcool, suculento na expressão de sua fruta. Eu creio que a evolução dos dez últimos anos mostra que vários produtores mudaram completamente de filosofia. Eles fazem vinhos bem maduros, com menos concentração, menos madeira e muito mais digestíveis em termos de equilíbrio. Essa é a evolução positiva do Languedoc.

Philippe Faure-Brac – Deve-se dizer que em vinte anos houve uma grande evolução, terminou-se um período em que se fazia, principalmente, vinho de consumo corrente, onde a quantidade de vinho de mesa (vin de table) ou vinho regional (vin de pays) era muito importante. Hoje temos vinhos regionais que fizeram um grande progresso com novas castas, novas técnicas e abordagens da leitura do terroir e, sobretudo, das denominações de origem, sejam as antigas que evoluíram bem, sejam as novas que se criaram, como aqui em Limoux. O nível de qualidade não parou de aumentar nos últimos 20 anos.

Rogerio Rebouças -Como você vê os vinhos da Cooperativa Aimery/Sieur d’Arques e de Limoux em relação aos demais vinhos do Languedoc?

Olivier Poussier - O que me interessa sobre tudo nos vinhos de Sieur d’Arques e nos vinhos da denominação Limoux ,onde esta se situa, é que Sieur d’Arques/Aimery valorizou todos os vinhos de Limoux com Toques e Clochers. O chardonnay é uma uva que é muita conhecida no mundo, é uma casta internacional, isto é, ela é muito caricaturada. Existem países que fazem bem e outros que a vulgarizam fazendo com ela as mais fracas das suas expressões. Em Limoux, se olharmos bem em relação ao resto do Sul da França, onde se faz vinhos muito comuns, varietais, que exprimem o lado amanteigado, untuoso, mas muito simples em termos de expressão. Em Limoux o que é interessante é que se ganha em expressão mineral. O chardonnay precisa de precisão, de equilíbrio. Em Limoux o território que prefiro é o do Haute Vallée , com altitudes de 300 a 400 metros, onde temos imediatamente tensão e mineralidade e sobretudo equilíbrio da acidez com o álcool, que faz com que tenhamos vinhos que são muito franceses no equilíbrio. Normalmente no Mediterrâneo a chardonnay sofre com o calor e vai dar um vinho generoso e untuoso, mas vai faltar um pouco de delicadeza. Limoux demonstra bem que para fazer um grande branco no Sul da França ele tem de estar sub-exposto ao sol ou em altitude para compensar o calor.
Philippe Faure-Brac - Eu conheço bem os vinhos de Limoux, pois estive aqui há vinte anos no I Leilão de Toques e Clochers. Pude ver de perto o progresso da qualidade, uma melhor definição dos terroirs – hoje são quatro Haute Valée, o Autan, o Oceânico – e a motivação dos produtores para fazer algo de bom. Podemos ter uma denominação onde 2 ou 3 produtores trabalham bem, mas a grande força de Limoux é que eles conseguiram se unir neste esforço qualitativo, que existe há vinte anos, para fazer crescer o conjunto da denominação. Acho que pra os XX anos esta é uma bela recompensa.

Rogerio Rebouças - No Brasil temos muitos vinhos do Chile e da Argentina. Você acredita que os vinhos do Sul da França podem ter um lugar de destaque no mercado brasileiro?
Olivier Poussier - Claro, certamente. Acabei de fazer uma reportagem sobre a Argentina, para a Revue de Vin de France, onde fiquei agradavelmente surpreso com alguns territórios históricos de Mendonza, onde se consegue fazer com a Malbec vinhos maduros e com frescor, o que não é uma coisa fácil de encontrar em toda a Argentina. Os vinhos do Languedoc têm o seu lugar com certeza, estamos falando de um universo de vinhos sulistas, com sol, generosos, por que o Languedoc não penetraria no mercado brasileiro? Sim, ele penetrará.

Philippe Faure-Brac – Eu acho que tem lugar para os vinhos do Languedoc em muitos mercados do mundo. Eu penso que em países da América Latina, como o Brasil, isso é interessante, pois temos história e o Brasil é muito sensível a este argumento, sem falar da qualidade do vinho que é evidente. O consumidor maduro brasileiro busca este tipo de qualidade, e acho que há também a novidade do Languedoc Roussillon. Este não é um vinhedo antigo, claro que há a história Antiga, mas o que quero dizer é sobre a modernidade. O novo é o Languedoc Roussillon, isso é extremamente importante. Porque o Brasil é um país que tem um olhar sobre o futuro, é a novidade que se encaixa nesta perspectiva. É um vinho de boa relação qualidade preço, com grande volume de produção, eu creio que existe um lugar importante para o vinho do Languedoc, notadamente no Brasil.

Rogerio Rebouças – Para o leitor que pretende se iniciar no mundo do vinho o Sul da França é uma boa porta de entrada?

Philippe Faure-Brac – Sim, pois há uma grande variedade de castas, uma grande diversidade de gostos, um amplo espectro de preços. É um bom caminho para aprender sobre vinhos. Mas se ele quer realmente aprender deve vir me ver no Bistrot du Sommelier, 97 boulevard Haussman, em Paris. (risos)